Cruz Caída – O Parque Odeon e a saga da Capoeira baiana entre as artes marciais
Local de encontro entre os capoeiristas lutadores de ringue.
A Capoeira já foi aos ringues para se cristalizar enquanto uma proposta de luta marcial brasileira. Os praticantes da Capoeira souberam colocá-la no rol das lutas internacionais, fazendo parte de uma manipulação de símbolos étnicos em símbolos nacionais.
Aspecto importante implementado pelos capoeiristas angoleiros e regionais, na Bahia, foi a participação da Capoeira na disputa entre as artes marciais. As apresentações artísticas e as participações em lutas de ringue foram algumas das estratégias para divulgar a Capoeira em sua forma desportiva. Mestre Bimba, por exemplo, retirou o lado lúdico, dizia que não iria recorrer ao Urucongo (nome africano do berimbau), nem ao pandeiro nas competições desportivas, já que esse tipo de demonstração poderia ser constatado em outros momentos em que a Capoeira tinha um afeição "sensacional". Mestre Bimba chegou a propor que as lutas deveriam de ser regradas pela regulamentação proposta por Anibal Burlamaqui (Zuma), praticante no Rio de Janeiro que escreveu o trabalho: "Ginástica Nacional (capoeiragem) metodizada e regrada", lançado em 1928. O movimento de mutação na prática da Capoeira teve dimensões inter-regionais, incluindo propostas de praticantes de várias capitais brasileiras.
A Capoeira Angola também participou desses embates nos ringues, o principal lugar dos embates foi o Parque Odeon, também conhecido como Stadium Odeon, inaugurado em fevereiro de 1936. Era constituído de diversas instalações, das mais modernas da época, com serviços de restaurante e bar, tornando-se um ponto de encontro para os habitantes da cidade. Desde 1935, já vinham se intensificando os eventos desportivos de luta na cidade de Salvador. Praticantes do boxe, da luta livre, da Capoeira e outras modalidades vinham se enfrentando, criando um espaço para as lutas marciais. Os capoeiristas angoleiros também participaram desse processo, mas proporam uma nova forma de disputa, permanecendo o lado lúdico da Capoeira.
A Capoeira subia aos ringues dividida entre lutas de angoleiros e lutas de regionais "Juvenal Nascimento X Francisco Salles representaram a Capoeira de Angola e Manoel Rosendo X Delfino Telles a Regional". Outro fato interessante foi o desafio entre os angoleiros Cícero Naval, vulgo "Onça Preta" e o famoso Raimundo Argollo, vulgo Aberrê, para uma luta de Capoeira fora ou dentro das regras, e o árbitro deveria de ser Mestre Bimba. A plateia que frequentava o Parque Odeon era numerosa. Alguns "angoleiros", como o famoso Aberrê, lutou a Capoeira em sua forma desportiva, de combate, adaptada a cultura das artes marciais. Mestre Bimba foi o maior capoeirista baiano nessa modalidade, sendo aclamado como o grande campeão. "Bimba é Bamba".
Mestre Bimba venceu as seguintes lutas contra Zei, Henrique Bahia, Geraldo, Custódio e Victor H.U. Este abandonou o tablado, alegando que Mestre Bimba utilizara golpes impróprios à Capoeira, como o "galopante". Diversas modalidades de luta, como a luta livre e o box apresentaram-se no Parque Odeon. Mesmo que a Capoeira tenha se apresentado dividida, foi um momento importante para colocá-la no âmbito das artes marciais.
Nesse sentido, tanto a Capoeira Angola quanto a Capoeira Regional estiveram representadas, o que serviu para uma maior aceitação da expressão cultural na cidade de Salvador. "para evitar enganos e más interpretações e no intuito de tornar os encontros de capoeiragem mais interessantes, e mais violentos, todos os golpes e truques de capoeiragem entrarão em jogo. Os adversários poderão se apresentar com os golpes que conhecerem. Fica assim lançado o desafio aos que praticam e conhecem a capoeiragem, como qualquer outro lutador (Jiu Jitsu etc), eu os enfrentarei com minha capoeira", palavras do Mestre Bimba. Após o encerramento das atividades no Parque Odeon, para lá foi deslocado o conhecido espaço "Belvedere da Sé onde funcionava a Emtursa". Nele tivemos apresentação de diversos capoeiristas angoleiros, como Mestre Canjiquinha, Mestre Caiçara e o próprio Mestre Pastinha.