Santa Casa da Misericórdia – Local de trabalho de Aberrê
Aberrê foi um importante capoeirista angola, lutador de ringue e organizador de rodas nas festas populares da cidade de Salvador
A partir de uma visão sobre a Santa Casa da Misericórdia, pode-se descrever atividades de Aberrê, um praticante da capoeira da primeira metade do século XX. Nesse caso aparecem as festas populares, a capoeira como luta marcial e os escritos de intelectuais brasileiros que participaram do processo de invenção de tradições para o jogo da capoeira. Essa instituição foi importantíssima, pelo fato de ter registrado relações entre os escravos, sendo o local onde os grupos étnicos iam enterrar seus mortos após rituais fúnebres próprios dos candomblés, das irmandades religiosas de negros escravos e das práticas da magia. Na verdade, o local entra em nossa rota pelo fato de ter sido local de trabalho de um importante capoeirista chamado de Aberrê ou Raimundo Argolo. Nessa época, primeira metade do século XX, a Capoeira Angola e a Capoeira Regional, estavam em fase embrionária, em busca de reconhecimentos no cenário das lutas marciais.
A Capoeira era alvo da repressão desencadeada contra as diversas práticas culturais dos negros. Os defensores das teorias racistas buscavam excluir os negros do universo de formação da cultura brasileira. As práticas da desordem, da malandragem, dos valentões, dos capadócios, dos capoeiras foi tenazmente combatida pelos agentes da ordem social. A estratégia para “reabilitar” a Capoeira passou por diversos grupos sociais. Os intelectuais da época, como Jorge Amado, Edson Carneiro e Manoel Querino estiveram empenhados em apoiar uma ressignificação da prática cultural. Eles escreveram sobre a Capoeira em seus livros, buscando sempre apresentar o praticante entre seus personagens. Políticos passam a receber os capoeiristas em seus gabinetes e a formular novos procedimentos em relação aos praticantes. Os capoeiristas fizeram sua parte e a colocaram no universo das lutas marciais. Entre eles esteve o famoso Aberrê. Lutador de primeira linha. Aberrê também esteve presente frente a uma grande estratégia que foi a de organizar as rodas de capoeiristas nas festas de Santa Bárbara, Conceição da Praia, Ribeira, do Cachimbo, Bonfim e Santa Luzia.
Nessas oportunidades os capoeiristas apresentavam seus trajes, geralmente brancos, com chapéus, sapatos próprios e praticavam a luta de forma sensacional. A inclusão de baterias formada por berimbaus, pandeiros, reco recos, deu uma nova forma, colocando a Capoeira no cenário cultural da cidade com um caráter positivo. Os jornalistas passam a integrá-la no cenário da cultura afro-baiana. Seus cantos e toques passam a serem desenvolvidos com um padrão artístico, envolvendo a comunidade em uma nova experiência, uma nova invenção cultural a partir de elementos tradicionais e elementos trazidos de outras tradições. Assim preparam o terreno social para uma reavaliação da Capoeira frente aos grupos sociais. A Capoeira foi apresentada como cultura popular brasileira, referencial para os turistas que passam pela cidade de Salvador.