Um aspecto importante do Cais Dourado é que ali era um dos grandes centros da capoeira do século XIX e primeira metade do século XX. A zona do Pilar e do Cais Dourado, ponto de encontro dos estivadores, dos carregadores, dos vadios, dos doqueiros, dos capadócios, dos capoeiras e local de surgimento da Capoeira Angola. Os principais personagens dessa história da Capoeira, na beira mar, chegando e partindo dos navios, dos saveiros, que também foi território de trabalho.
Foi por onde, possivelmente, Manoel Henrique Pereira, o capoeira Besouro de Mangangá, pisou pela primeira vez em solo da capital. Ele vinha proveniente de Santo Amaro, passando obrigatoriamente, no saveiro "Deus Me Guie", por Cachoeira, carregando cachaça, fumo e outras mercadorias produzidas nos caminhos do sertão baiano. Besouro de Mangangá se tornou o mais lembrado dessa geração, sendo parte de uma memória construída entre os diversos agrupamentos de praticantes por todo o século XX e se mantendo em nosso século XXI. Besouro de Mangangá representa a história de uma geração de homens vistos como desordeiros, capadócios, valentões e "malandros", categoria inventada para se dirigir aos praticantes da Capoeira, que apesar de serem tudo isso, em sua maioria eram membros das classes trabalhadoras, como a própria história explica. Besouro trabalhava nos saveiros, foi soldado do exército brasileiro, morreu atingido por um objeto perfurante, a tal "faca de tucum".
Com Besouro vem o mundo da magia, da feitiçaria proveniente do Recôncavo da Bahia, outra face de terra de grandes personagens da Capoeira. De lá, do Recôncavo, chegaram em Salvador muitos importantes capoeiras, além do maioral Besouro de Mangangá, que já inspirou filmes e livros, música e poesias, peças de teatro e intrigas entre pesquisadores. Ele se tornou uma lenda de carne e osso. Outro importante capoeira foi Tico, oriundo também de Santo Amaro, Recôncavo da Bahia. Seu nome era Julio dos Santos Menezes, carregador, frequentava a freguesia do Pilar e foi preso em confronto armado de faca de sapateiro, contra o grupo de Martins, daquela vez saiu na pior e foi cortado pelos braços, rosto e mãos ao tentar se defender e tomar a arma de Martins.
A cultura da Capoeira circulava pelo Rio Paraguassú, a caminho de Cachoeira, em um vai e volta para Salvador, sem parar. Mas, vamos conhecer outros capoeiras que também frequentavam o Cais Dourado, a zona da estiva, a beira da Bahia de Todos os Santos. O Bairro do Pilar é um dos que mais aparece na documentação sobre os capoeiras, depositada nos arquivos históricos locais. Um caso interessante envolveu o célebre capoeira Caboclinho. Ocorreu no Tabuão, rua que ligava a Cidade Alta à Cidade Baixa. Ele brigou com Mangue Sêco, Caboclinho desferiu violento golpe de navalha, sendo preso depois, no Cais Dourado, seu reduto. O nome de Caboclinho era Alfredo Martins Teixeira. Era sempre alvo da polícia chefiada por José Alvaro Cova, homem que entrou na história como o maior perseguidor dos capoeiras. Caboclinho era saveirista, capoeira do mar, convivia com os capoeiras do Cais Dourado e tinha acesso ao Major Cosme de Farias, homem que ficou famoso como o maior defensor dos capoeiras, interferindo nos processos jurídicos, foi o advogado dos desfavorecidos.
No Cais Dourado também ocorreram muitos confrontos entre os capoeiras e agentes policiais, era uma área dominada pelos marítimos, estivadores, carregadores saveiristas e outas atividades ligadas à beira mar. O capoeira Curto e Grosso, apelido de Manoel, Leonídio Sacramento, preso ao enfrentar dois policiais armados, no Cais Dourado, Distrito do Pilar. Outro capoeira que enfrentou a polícia foi Ignácio Loyola, ao entrar em luta corporal com o soldado da polícia, denominado Aristides José de Santana. Loyola investiu contra ele e começou a luta corporal. O soldado recuando um pouco puxou de sabre para amedrontar seu agressor. "Nada pode fazer, porque habilmente, em passo de Capoeira, desviava-se dos golpes", assim registrou o Jornal A Tarde, no ano de 1916.
Nosso célebre capoeira, Pedro Mineiro, também frequentava o Cais Dourado, onde foi preso ao fugir da voz de prisão emitida pelo policial Francisco Fonseca. Pedro Mineiro correu pela Rua do Caminho Novo e armou-se de pedra e cacete. Ele e seus camaradas capoeiras, trabalhadores marítimos, opunham à autoridade policial um outro tipo de autoridade, desburocratizada, forjada nas relações desenvolvidas no espaço de trabalho. Assim era o Cais Dourado, reduto da Capoeira, universo dos trabalhadores que em seu cotidiano respiraram a cultura dos navegantes, muitos exímios capoeiras: Mata Escura, Manoel Thié, Tico, Caboclinho, Marinheiro, Mangue Sêco, Inácio Loyola, Pedro Piroca, Pedro Porreta, Antonio Boca de Porco, Pedro Mineiro, Gabiano, Agripino, Paulo Gomes, José Martins, Cypriano, Três Pedaços...