Mestre Bimba, cujo nome de batismo era Manoel dos Reis Machado. Ele era um capoeirista que entendeu o contexto de repressão à Capoeira entre 1890 e 1940 e se colocou em defesa da mesma, com uma proposta de retirá-la da marginalidade. Seu movimento de invenção de uma nova tradição para a Capoeira foi visto por alguns intelectuais da época como uma tentativa de "reabilitação da capoeira".
Mestre Bimba nasceu em 23 de novembro de 1900 e viveu até 1974. Não temos muitas informações sobre a vida de Mestre Bimba quando criança, mas tudo indica que ele tenha vivenciado as experiências das ruas de Salvador, tendo contato com praticantes da Capoeira. Ele era filho de Maria Martinha do Bonfim e Luiz Cândido Machado, um praticante do Batuque, um estilo de luta específica da Bahia e exercida nas festas de largo na cidade de Salvador. Dizem que, aos 12 anos de idade, Mestre Bimba foi iniciado no jogo da Capoeira por um africano chamado Bentinho. Ele mesmo afirmava que em sua época de iniciação "a polícia perseguia um capoeirista como se persegue um cão danado".
Mestre Bimba guardou na memória esse período de grande repressão... "naquela época Capoeira era coisa de carroceiros, estivadores, carregadores”. Ele era da estiva, do Cais Dourado da velha Bahia. Mestre Bimba cita a Capoeira como prática dos malandros, dos marginais, dos arruaceiros, seu movimento propôs à Capoeira um afastamento desses grupos marginais. Ele produz uma Capoeira voltada à classe trabalhadora e inclui as classes médias de uma forma organizada em grupos culturais, dirigidos também às lutas marciais. Para isso ele se aproveitou do Batuque, da "capoeira primitiva" e da nascente "Capoeira Angola", preparando-a para o confronto com outras lutas.
Implementou novos golpes, movimentos de agilidade e regrou sua formação lúdica. Mestre Bimba possuía um corpo avantajado, homem de grande estatura, preparado psicologicamente para os grandes embates, tipo perfeito para referenciar a educação física e desportiva que fez parte do discurso sobre a cultura dos corpos. Mestre Bimba foi destacado como "o campeão da capoeira" em lutas no Parque Odeon, local que faz parte de nossas descrições em outro ponto desse tour. Sobre os golpes, Mestre Bimba declarou que a capoeira possuía a "meia lua de frente, meia lua de compasso, rabo de arraia, aú pela direita e pela esquerda, cabeçada, chibata, rateira, raspa, tesoura fechada, balão, leque, encruzilhada, calcanheira e deslocamento”. Ele disse ter introduzido "a vingativa, banda trançada, balão de pé, balão arqueado, balão colar de força, cintura desprezada, cintura de rins, gravata cinturada, tesoura aberta, benção, salto, pescoço, sopapo, galopante, godeme, cotovelada e dentinho".
Mestre Bimba ainda utilizava o treinamento de emboscada, semelhante aos treinamentos de guerrilha em mato, realizados pelas forças armadas. Mestre Bimba ainda buscou dar um caráter acadêmico e formulou um ritual próprio de formatura que incluía as madrinhas, como forma de incluir de forma mais participativa as mulheres no universo da Capoeira. Às madrinhas caberia entregar os lenços e a medalha de formatura. O lenço era a marca de graduação para seus alunos: o azul representava o primeiro nível, o vermelho o segundo, o amarelo o terceiro e finalmente o branco, este último o aluno somente receberia se mostrasse dominar os rituais, os golpes e a charanga, parte lúdica da prática da Capoeira Regional.
Os instrumentos musicais utilizados foram dois pandeiros e um berimbau. O local de treinamento foi batizado de Roça do Lobo. Tratava-se de um fundo de quintal, um terreiro. Esse local aparece no movimento de retirada da Capoeira das ruas. O local é simples, apresentando bancos de bambu. A Roça do Lobo ficava localizada na periferia dos Barris, um bairro de Salvador. Lá se reunia "crioulas, negras e cabrochas, cantando e batendo palmas, enquanto dois capoeiras, suarentos e respirando forte (...) um preto agigantado entrou no círculo formado pelo povo, sorrindo. A multidão aplaudiu como mais força". Essa era Roça do Lobo, um protótipo das academias que aparecem nas cidades brasileiras até os dias de hoje.
Bimba também realizou a inserção da capoeira nas classes médias e em diversos locais do país. Geralmente viajava e deixava algum discípulo para realizar o trabalho de ensino da Capoeira. Mestre Bimba sublinhava que "parte de seus alunos eram estudantes de medicina, guardava carta e fotografias de Donald Pierson e Monteiro Lobato", foi recebido pelo presidente da República, Getúlio Vargas, em 1937. Ele dirigiu e propiciou uma nova significação para a Capoeira, colocando-a no universo das artes, dos esportes, das lutas marciais na cidade de Salvador. Pode-se então caracterizar uma expansão da Capoeira, em novos moldes, a partir dos anos 30 do século passado.
Estudantes, intelectuais e políticos profissionais procuraram os produtores da cultura popular. As mudanças que Mestre Bimba efetivou na prática da Capoeira podem ser demarcadas em três níveis: as relacionadas à educação física, aos aspectos artísticos e à organização social e política dos grupos de capoeiristas. Os aspectos da educação física colocaram o corpo em um sistema de desenvolvimento regrado, dirigido para a repetição dos movimentos em séries temporais. Os aspectos artísticos receberam uma forma pré-determinada, surgindo uma organização e hierarquia dos instrumentos. Os aspectos sociais e políticos redimensionaram a prática da Capoeira, retirando-a das ruas e inserindo-a no contexto de construção dos símbolos culturais. Essas transformações receberam diversos significados sociais e, por parte dos produtores, significou uma nova tradição para a Capoeira.
Mestre Bimba migrou para Góias por motivos financeiros. Os agentes do Estado, e a sociedade não deram as condições de Mestre Bimba permanecer na cidade de São Salvador. Partiu com sua família para Goiânia, outra capital, lhe pareceu prudente buscar formas de sobrevivência, mas a Capoeira ainda estava iniciando sua expansão por todo o Brasil e diversos países do mundo. A cinco de fevereiro de 1974, um ano depois que deixou a Bahia, morria Mestre Bimba. Ele foi grande personagem do universo da capoeira do século XX, dividindo essa posição somente com Mestre Pastinha e Besouro de Mangangá, este último, representante da tradição da capoeira no século XIX. Mas, certas coisas, como ele dizia, são fatais. É como aquele caso do repórter que, entrevistando Mestre Bimba, encostou-lhe a caneta no rosto e perguntou: "mestre, se isso fosse um revólver o que o Sr. fazia"... e Bimba respondeu: "eu morria meu filho".